Num Cruzamento de Quatro Estradas


Num cruzamento de quatro estradas
Hoje, todas me levam aonde já estive
Tenha sido mais a esquerda ou à direita do meu coração
Numa, cães sarnentos barram-me a passagem
Sigo pelas outras três
E os farrapos feéricos da madrugada acompanham-me
Neste passeio vão ao topo da minha terra
Perdia-me na neblina se soubesse que não voltava a encontrar-me
Lentamente, transformava-me no vento
E assobiava melodias melancólicas nos palácios abandonados
Enquanto desaparecia com o dissabor do amanhecer
Raios vespertinos tecem tempestades
Cai a luz, nasce a sombra
E o sol não brilha em tudo da mesma forma
Os Adormecidos saem de suas casas despertos para mais um dia
As ruas enchem-se de gente dançando para os Cobradores
Que devastam gratuitamente o tempo de todos
São os tiranos do quotidiano
Dinossaúrios de Biblioteca de todo o ano
Moldam e concebem os modos de vida
Nas secretárias do além
E à minha volta todos valsam sem contestar
À música que está a dar
Eu valso em desarmonia nos salões de baile onde me deixam entrar
Poucos se queixam que o corpo deformado não tenha rumo
Se o sentimento lá está com aprumo
A minha balada há-de ser triste
Como me profetizaram de borla as simpáticas ciganas
Onde quer que eu vá
Nunca vou conseguir o que eu quero
Por trás das suas máscaras para o escárnio
Li que por nada
Nada de bom
Me esperava no tempo que havia para vir
Intempestivo recebo as torrentes de tempo que me tiverem reservadas
Sentindo-me melhor ou pior segundo os ritmos da lua
Continuarei por ser o céptico incrédulo que me rotulam
Por ser assim como sou
Procuro um sítio onde me deixem ser
O que quero ser
Onde se é quem se pode ser
Sem que se sinta a ânsia da correspondência
Onde perceber o compasso do relógio e da noite
Perceber a passagem das estrelas
Para voar nos espaçosos céus
Rumo a lugar nenhum
Seja um trabalho remunerado
Não só pelos espíritos silenciosos que me apadrinham na escuridão
Mas também pelos intendentes da Legislação
Que o devaneio seja trabalho!
Exijo-o no trono de sombra
Onde regresso sempre que sonho
Um mundo, um outro mundo
Cruzamentos de mil e uma passagens
Estradas de infinitas paisagens
Desertos cheios de miragens
Propulsionadas como imagens
Visões do coração
Ensaiadas e guardadas como recordação
No livro negro da memória
Onde mentimos e erramos ao contar as histórias
Mundo andante, Mudo Amante
Hipóteses em todo o segundo em que as buscamos
Corre, corre pelo céu
Na tua volta circular
Gira Mundo, gira mundo
Tu podes guiá-lo como um cego para melhor girar
Com meia ideia ou pensamento lacrimejante
Atirado como pedra faiscante para o silêncio da eternidade

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