Assim se Cumpre em Mim a Lei de Talião (30ª Parte)

Embora avançássemos mais lentamente, apercebi-me de uma coisa que poderia estar do meu lado naquela luta. A Humidade que se desprendia das árvores jogava a meu favor, aquele calor húmido poderia afugentar as bestas de fogo. Á noite olhei para trás e vi os seus gigantescos corpos faiscantes. O seu fogo não alastrava para as águas, que pareciam estar protegidas contra eles. Essa era a minha sorte, mas nada me garantia que eles não me apanhessem, pois estavam muito perto e o cavalo avançava dificilmente através da selva cerrada. Saltava as raízes e afastava-se de perigosos animais rastejantes e voadores. Servia-me da minha espada para os afugentar e do escudo para me proteger dos raros ataques, o Homem Orquestra assustava-os e reconfortava o cavalo que começava a percever como ele funcionava. A certa altura o Homem Orquestra falou-lhe, relinchando e eu fiquei ofendido, pois o Homem Orquestra nunca me falara na minha língua...Falava através de músicas, sim. Mas nunca directamente...Ele pareceu perceber a minha apreensão. Falou então várias línguas, que pareciam pertencer aos idiomas humanos. Estalares de língua e gritos loucos soando como formas bárbaras de comunicar algo simples. Percebi que ele me dizia Olá e que, ao mesmo tempo me mostrava a sua forma básica de comunicar. Focou-se em idiomas que me eram próximos e disse frases aleatórias, que pareciam ter sido gravadas por um génio louco...recitou poesia louco e palavras de ordem bárbaras que pareciam provenientes do próprio Diabo. Ele não sabia comunicar através da linguagem humana. No momento em que percebi isso condenei-me por ter duvidado da sua lealdade, pois se ele me escondesse que podia comunicar directamente comigo, estava a ser desleal. Toquei-lhe e ele perdoou-me, tocando como harpas ecoando pela selva. A certa altura, no céu escuro avançou uma pálida nuvem com a face de um demónio de chifres. Uma caveira no céu. Atrás de mim, senti que a selva começava a ser destruída pelos meteoritos e o meu confronto com as silhuetas de fogo ia acontecer naquela noite. Vi um cume altíssimo e fácil de trepar Saltei do cavalo e montei acampamento em dez minutos. Abri uma clareira na selva e preparei-me para o combate, montando uma armadilha no topo do cume. Precisava de observar melhor as suas magníficas cabeças para perceber como os podia destruir. Subi ao cume e saltei para as árvores transportando comigo pedras para atirar às cabeças. Quando um deles se aproximou de mim senti o calor dos Infernos. Lancei-lhe as pedras e fugi, chamuscado, em chamas. Cai do topo das árvores e aterrei cá em baixo cheio de dores. As labaredas andantes atropelaram-me novamente. A espada caiu perto de mim. Agarrei-a e lancei-a através dos céus contra aquele monstro. Ela acertou-lhe na cabeça, mas nada aconteceu. Estava condenado a morrer ali...Corri para o Homem Orquestra, para morrer a seu lado. Ao sentir-me correr para ele, ele avançou para de onde eu vinha soltando um silvo agudo que me fez cair de dor na cabeça. Um enorme zumbido torturou-me a mim e ao cavalo durante dois minutos, depois começou a soar um toque de tambor, depois vários e aseguirem homens começaram a cantar em estranhos idiomas. Olhei para o céu apercebi-me, com um sorriso nos lábios que o Homem Orquestra conseguia derrotar os Monstros de Fogo, pois as abertas no céu cobriram-se de nuvens negras e começou a chover. A chama dos Monstros ficou mais fria e tremeu, desvanecendo lentamente coma água das chuvas. As cabeças soltaram-se e cairam pesadamente no meio da selva de forma ritmada, uma de cada vez. Quando a última caiu corri para ela e vi como era bela, como se fosse um tijolo, solene e nobre com os três olhos abertos, mas sem vida. A Terra tremeu novamente e o Homem Orquestra soou como trovões. Corremos para o cavalo e continuamos em direcção ao Oceano.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Contos Eróticos de Fernando Bacalhau (Alexandra Lencastre)

Dicionário com palavras pessoais

As Mais Belas Palavras da Língua Portuguesa