Assim se Cumpre em Mim a Lei de Talião (23ª Parte)

Errando pelo nevoeiro, nada se via dois palmos à frente do meu nariz. O Homem Orquestra avançava à minha frente guiando-me com sons hipnóticos. Só foi mais tarde que percebi que não só me estava a tentar hipnotizar, como também ele estava a ficar hipnotizado pelo odor do nevoeiro. Era-me estranho e familiar e também para Homem Orquestra que depois começou a soar como motores de carros ecoando na neblina. Sob os meus pés senti o orvalho nas plantas, a humidade no ar reconfortava-me, já o Homem Orquestra esse parecia determinado a conduzir-me à perdição nessa noite. A Terra continuava a tremer, de tempos a tempos, mas ele continuava sempre a avançar, mesmo muito depois de o sol se ter posto e de ter subido no céu uma estranha luz branca que o parecia guiar na noite. Percebi que era para lá que rumava. Colocou uma música de festejo, como se tivesse percebido que eu tinha percebido que era para lá que rumava. Saltei com satisfação e corri para a frente do Homem Orquestra e ele deixou-me ultrapassá-lo ficando a tocar atrás de mim. A neblina dissipou-se magicamente e vi à minha frente uma pequena bola pairando. Aproximei-me dela e vi que avançava lentamente. Coloquei uma mão em cima dela e fechei o meu punho, mas senti-a gelar. Retirei-a rapidamente e aproximei-me da fonte de luz. Ela começou a mexer para cima e para baixo, mas voltou à sua órbita. Começou a ficar mais calor à medida que nos aproximávamos. Olhei com atenção e percebi que havia mais bolas como aquela, pairando e andando lentamente. Uma visão do Sistema Solar, com planetas em órbita do sol. Aproximei-me daquela pequena estrela o máximo que pude, mas não me esqueci de ordenar ao Homem Orquestra que não me seguisse. Olhei aquele diabo de fogo e nele vi Lucífer sorrindo no calor infernal, numa face de besta com dez chifres de labaredas e buracos negros nos olhos, prontos a sugar toda a vida que vissem, e então percebi uma das verdades do mundo, é que esse sol cruel a que tanto obedecemos é a maior criação do Inferno para a Humanidade, com ele nos seduziram, como se fosse um presente para uma raça precisar de crescer. Ele rejubilava num sorriso demoniaco, enquanto Belzebus ricos compravam uma casa na estrela. Apontou-me com gozo e eu não me pude aproximar, mas erguendo-me cuspi-lhe na face e ele levou a peito a minha investida e ordenou aos demónios menores que me perseguissem. Lançaram uma primeira salva de canhão, mas não me incomodou. A estrela era mais ou menos do meu tamanho e aqueles monstros das Trevas chamados eram mais pequenos que eu. Pensei e cuspi novamente. As chamas do sol pequeno começaram a diminuir e o ambiente tornou-se mais fresco. Quando fiquei sem saliva, depois de cuspir como um perdido decidi urinar no sol, pois estava determinado a extinguir aquele ditador fascista Lucífer. Ao ver como a face de Lucífer se enfureceu percebi que tinha hipotese de os destruir, mas também percebi que o que tinha feito era pouco. Precisava de um plano para apagar aquele sol cruel. Tive uma ideia brilhante. Corri para longe do sol e, uma nova salva, mais poderosa desta vez atingiu-me num braço. Sangrando abundantemente contei o primeiro e o segundo planetas. Andei mais um pouco e vi outra esfera gigante mas não era aquela que procurava. Segundo os meus cálculos era a terceira mas tinha aspecto de quarta. Espreitei por cima da estrela e descortinei uma nova órbita. Caminhei na na órbira e vi-o. Era magnífico e azul. Perfeito. Ao aproximar-me vi o Homem Orquestra dançando à sua volta e compondo canções, parecia apaixonado. Contemplei a esfera. Nuvens negras pairavam na Europa, o dia está difícil para os pescadores. Inclinei-me sobre as nuvens e aspirei-as, sentindo a água formar-se na minha boca. O dia ficou claro subitamente em Amesterdão e os transeuntes deliram estranhas histórias. Corri para a Estrela e despejei-lhe com convicção a maior quantidade de água que alguma vez tinha despejado. As baixas foram muitas, mas como pré-retaliação eles alvejaram-me gravemente no mesmo braço, mesmo antes de eu neles despejar a água. Corri novamente para a Terra e sorvi a água do Mar Negro. Corri para o sol e despejei-a,  depois fui ao Mar Vermelho, depois ao Ganges e ao Nilo e a estrela ia-se apagando enquanto se tornava azul. Aquele Lucífer parecia congelado num esgar de dor e ódio, a raiva do Inferno na expressão, já não comandava os seus súbditos desorganizados e vencidos. Quando cheguei à Terra outra vez o Homem Orquestra olhava para o Brasil e tocava samba, por isso decidi sorver a água do Amazonas. Ao aproximar-me da antiga estrela sabia já que ia ser a última vez. Olhei para os últimos militares patriotas do inferno e despejei-lhes a água com tanta raiva que as últimas fagulhas fizeram ricochete e queimaram a minha cara. Senti o sange e levei-o à boca triunfante. Derrotei o sol. Comecei a pontapeá-lo e a superfície azul começou a desfazer-se, como gelo de glaciares caindo. Continuei a dar-lhe pontapés e a destruir a esfera até ela não ser mais que pó no centro da constelação. Magoei-me quando o meu pé encontrou uma pesadíssima esfera de chumbo que continuava a orbitar dentro do cadáver da anterior. Vi brilharem nela fios vermelhos de néon dançando. Tentei tocá-la com um braço mas uma força como que electromagnética impediu-me e fez-me cair. A esfera a emitir aqueles feixes luminosos que se começaram a confundir com os verdes e a formar uma luz amarela forte, como o sol renascendo num sorriso de Lucífer. Nada podia contra aquela força. Corri para a Terra e arranquei com o Planeta Azul para longe daquele lugar horrível, onde uma nova invenção do demónio se preparavar para torturar a vida do que quer que vivesse. 

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