Assim se cumpre em mim a lei de talião (14ª Parte)

Deitei-me na areia ao lado do Homem Orquestra que continuava a emitir o som de um piano. Desde há muito tempo tempo que ansiava por aquele momento de conforto, pois desde que o meu corpo do mundo morrera, a minha viagem por aquele Inferno, aquele lugar inominável, ainda não tinha sentido bem-estar durante momento algum. Atravessado por relâmpagos ou boiando no Oceano, decapitado ou com dores horriveis sofrendo várias amputações, parecia que o Criador tinha finalmente reservado para mim um tempo de sossego. Como gostava que as regras deste jogo diabólico me fossem explicadas...Enquanto espírito tinha tido a hipótese de habitar um corpo na Terra. Questiono-me se tivesse conseguido entrar num corpo se não teria alcançado o Esquecimento, tão necessário para uma nova vida na terra. Deitado, sentindo a agradável textura da areia e sorrindo, pensei que era possível que todos os seres vivos da Terra, para além do homem, fossem almas aprisionadas em corpos de animais diversos, com plena consciência das suas vidas passadas como humanos, mas incapazes de comunicar a sua verdadeira origem por serem bichos. O relinchar de um cavalo podia ser um grito de agonia de um homem fechado num majestoso animal. Como era bom estar descansado, sem medos ao espreitar do céu Levantei-me de um salto e fui olhar a minha cara no reflexo da água do mar. Espantei-me com as minhas feições que me eram completamente estranhas, ainda que tivessem a forma humana. Tinha uma expressão forte que parecia esculpida à navalha. O sol começava a sua descida para ser apagado pelo Oceano, caindo lentamente para o mar. Vi que o Homem Orquestra se tinha levantado e andava na minha direcção. Começou a soar como uma batida de tambor com eco, o que de certa forma me encorajou a seguir o meu caminho. Comecei a caminhar em direcção às árvores e ele seguiu-me com o seu som que me prometia ser meu companheiro nas desventuras do Inferno.

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