Assim se Cumpre em Mim a Lei de Talião (10ª Parte)

Saltei até Nietzsche e acenei-lhe com a mão que tinha a esquerda. Ele aproximou-se de mim e apertou-me a mão com amor. Olhei as suas feições, o seu espesso e bigode e espantei-me por ele aparentar ter a exacta ideia que eu tinha dele. Como no Inferno todas as conversas parecem ser antecedidas de um longo e incómodo silêncio, olhamo-nos, mudando as nossas expressões faciais, demonstrando ambos um imenso espanto. Continuamos calados, nenhum sabendo qual deveria começar e ele aguardava que eu falasse com um sorriso patético, mas eu não ia começar a falar pois a sua figura me amedrontava. Passado um pouco voltou-me costas e começou a caminhar de volta para a baleia de onde viera. Aproximei-me dele, saltando e ele, sentido-me aproximando, voltou-se com um grito:
-Achas que podes gozar com o Criador?
Silenciado, olhei-o estupefacto. Pensei que ele me ia acolher como um velho amigo. Um horror imenso atravessou a minha espinha quando vi que estava furioso e quedei-me mudo, gelado e aprisionado por saber que estava condenado.
-Olha para o que causaste. Não podes cuspir contra o vento.
Nietzsche apontou as montanhas de corpos de peixes, que sem água, começavam a apodrecer na noite moribunda. Pilhas de peixes elevavam-se até ao céu e tapavam o sol radioso. Os últimos sobreviventes saltavam de forma bizarra em busca de água, uma estranha expressão de vivência e existência e eu era o causador de toda aquela desgraça. Nada tinha para dizer a tão grande mestre e a sua figura contagiou-me com o seu esplendor, ainda que estivesse enfurecido. Continuou a sua repreensão a uma pobre alma perdida num corpo que não compreendia.
-Todas as coisas más têm consequências múltiplas. Gozaste o Criador, o Governador e vais pagar por isso mas libertaste-me deste silêncio eterno. Deixei de perceber o eterno quando entrei para o Inferno a eternidade. Ouvi o eco do Oceano na barriga da minha baleia-mãe e aprendi a escutar o Silêncio e o Silêncio aprendeu comigo. Todas estas almas privadas da sua vida por ti...Nesta camada do Inferno foste abençoado com um corpo normal e enfureceste os céus! Não deves ter sido grande pecador em Terra se com tanto foste abençoado. És apenas uma alma que ainda não percebeu a Lei do Mundo das Almas. Continua a tua caminhada, amigo, precisas de coragem para seguir jornada, mais vais voltar a um corpo Humano na Terra, o desejo de todas as almas perdidas e atormentadas até aos confins do inferno. Vais ter de passar por muito e sofrer grandes terrores silenciados, mas lembra-te sempre, é preciso muito caos interior para parir uma estrela que dança.

E então, como um foguete, aquele homem encorajador subiu através dos céus e explodiu na noite como imenso fogo de artíficio verde e vermelho. Com o som do estrondo as areias começaram a sugar-me para o seu interior. 

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